Físicos comprovam a existência de mais uma partícula atômica

Fonte - Globo.com

Um grupo internacional de cientistas conseguiu fazer a primeira observação direta do neutrino tau, uma das últimas partículas fundamentais da matéria cuja existência finalmente pôde ser detectada e comprovada. A descoberta foi anunciada oficialmente nesta sexta-feira, dia 21, no laboratório Fermilab, perto de Chicago, uma das principais instituições de pesquisas físicas do mundo.

"Finalmente conseguimos a prova direta de que o neutrino tau é uma das partículas fundamentais da matéria", disse Byron Lundberg, líder e porta-voz do grupo Donut (Direct Observation of the Nu Tau), que reúne cientistas americanos, japoneses, coreanos e gregos.

Os pesquisadores trabalharam no laboratório do Departamento de Energia instalado no Fermilab. O neutrino tau era, até agora, a penúltima das 12 partículas elementares que formam a matéria, cuja existência fora teorizada e ainda não havia sido comprovada.Agora falta comprovar apenas a existência do grávitron.

Acredita-se que o feito deverá render aos pesquisadores do Fermilab o Prêmio Nobel de Física em algum dos próximos anos.

As experiências que resultaram na comprovação do neutrino tau foram feitas no gigantesco acelerador de partículas Tevatron do Fermilab.

O que são aceleradores de partículas e porque são importantes?

Um acelerador de partículas é um aparelho que produz "feixes" de átomos, elétrons, moléculas ou algumas partículas mais exóticas, como antiprótons, pósitrons ou mésons, com velocidades altas, geralmente superiores a 1/1000 da velocidade da luz c. Para que sejam atingidas estas velocidades, que em alguns casos chegam quase na velocidade da luz, as partículas sofrem a ação de forças eletromagnéticas, com arranjos que diferem bastante entre os diversos tipos de aceleradores.

Um "feixe" de partículas ocorre quando as trajetórias dessas partículas são razoavelmente paralelas e distam menos de 1 centímetro umas das outras. (A palavra "feixe" quer dizer em geral um conjunto de objetos paralelos colocados perto um do outro, como numa vassoura de gravetos onde eles são amarrados por uma corda, vindo daí a palavra "faxina".) Um feixe é caracterizado então pela partícula que o forma, pela sua energia cinética Ec(ou velocidade v) e pelo número de partículas por unidade de tempo N. Se a carga das partículas for q, há uma relação simples entre a corrente elétrica total do feixe, I, e o fluxo N: I=Nq.

Mas porque alguém aceleraria partículas? A primeira razão é que precisamos conhecê-las melhor e um dos meios de fazer isso é colidí-las em altas velocidades com outras partículas (átomos, fótons, elétrons, moléculas, etc) ou com sólidos. A segunda razão é que podemos usar essas colisões para conhecer melhor os "alvos", por exemplo obtendo a composição química de objetos sólidos. Há também numerosas aplicações tecnológicas e médicas. A Microeletrônica, por exemplo, não existiria sem aceleradores, chamados "implantadores" porque colocam átomos, geralmente de boro e de fósforo, dentro de um cristal de silício. (Antes de aceleradores começarem a ser empregados nos anos 60 já eram fabricados válvulas, diodos e transistores - mas sem aceleradores os tamanhos de qualquer circuito eletrônico seriam milhões de vezes maiores que hoje.) Num outro exemplo, a erroneamente chamada Medicina Nuclear usa aceleradores para produzir radioisótopos usados em terapias ou em dignósticos, para produzir raios-X ou para irradiação de tumores com elétrons ultra-rápidos (energia cinética de 20 MeV, equivale a velocidade 0,9997c).

Uma questão preliminar é a das unidades. Em geral nos referimos às energias cinéticas em eV ou seus múltiplos keV (1000 eV), MeV (1000 keV), GeV (1000 MeV) ou TeV (1000 GeV). Um eV é a energia cinética de uma partícula com a carga do elétron que atravessou uma diferença de potencial elétrico de um Volt e corresponde à energia de 1,6 *10 elevado a (-19) Joules. Caso a energia cinética de uma partícula seja muito inferior à sua "energia de repouso" (mc elevado a 2) podemos usar a fórmula usual Ec=(1/2)mv elevado a 2, de outra forma teremos que usar expressões relativísticas. Como exemplos, um elétron num tubo de TV tem cerca de 25000 eV antes de bater na tela e produzir luz, uma molécula de gás tem cerca de 1/40 do eV, os fótons de luz visível tem cerca de 2 eV, as partículas emitidas pelos núcleo de alguns átomos, chamados radioativos, tem alguns milhões de eV.

Se desejarmos estudar o núcleo as energias são geralmente superiores a 1 MeV, podendo ir a GeV. Se quizermos estudar as partículas que formam o núcleo as energias serão maiores ainda, de GeV a Tev. (Átomos ou núcleos com energia cinética de 1 MeV tem velocidades, dependendo da massa atômica, indo de 0,003 c, para o urânio,a 0,05 c, para o hidrogê.nio. Não apenas a complexidade dessas máquinas aumenta com a energia, em cada faixa estudam-se fenômenos distintos, cuja relevância vai da compreensão de nossa atmosfera até à da origem do universo. Incidentalmente as máquinas gigantescas que trabalham na região de 1 TeV, o CERN na Europa e o Fermilab na América do Norte, tem como subprodutos aplicações tecnológicas em mecânica fina, novos materiais, eletrônica e supercondutividade, sendo isto uma das principais motivações de seus orçamentos anuais de centenas de milhões de dólares. Não iremos falar destes aceleradores, concentrando-nos nos que permitem estudar propriedades atômicas e suas ainda mais generalizadas aplicações, ou seja, as energias disponíveis não serão suficientes para quebrar ou excitar o núcleo atômico, o que quer dizer velocidades entre cerca de 1/1000 e 1/10 de c, ou energias indo de 0,001 eV a alguns MeV.

É difícil para nós imaginar que até 200 anos atrás não se soubesse nada sobre átomos ( a Teoria Atômica de Dalton data do início do século XIX) ou que apenas cem anos atrás tenha sido descoberta a existência do elétron, pois hoje toda a tecnologia se baseia em átomos e em elétrons. Inúmeras aplicações de propriedades atômicas na Engenharia, na Química e na Medicina, não existiam, entre elas quase todas a Eletrônica, a Ciência de Materiais e a Química Analítica (que estuda a composição química de um objeto ou de uma amostra). Pelo lado da Ciência, nesse passado tão recente não eram conhecidos os fenômenos básicos da Química, da Biologia, da Física e da Meteorologia para os quais os átomos (e as moléculas, que são aglomerados de átomos) são fundamentais. Hoje, por exemplo discutimos as propriedades dos seres vivos e como alterá-las através da Genética Molecular, quando o gen é estudado como formado por grupos de átomos; estudamos a temperatura da Terra e a intensidade de radiação ultravioleta (UV) pelas colisões entre moléculas na atmosfera e somos capazes de calcular propriedades de compostos químicos os mais diversos, nas fases gasosa, líquida ou sólida, usando a Mecânica Quântica.

Estamos rodeados de materiais "artificiais", como plásticos, remédios, ligas metálicas e cerâmicas, desconhecidos por nossos antepassados de 100 ou de 200 anos atrás, ou mesmo que desconhecíamos durante nossa infância. A descoberta e/ou produção de muitos deles só foi possível usando propriedades atômicas e moleculares descobertas usando aceleradores. Foram experiências usando aceleradores que nos permitiram a compreensão que temos dos átomos e das substâncias que nos rodeiam, fornecendo a base para a Mecânica Quântica no início deste século, por sua vez permitindo a compreensão teórica dos fenômenos químicos. Nessas experiências um átomo (em geral ionizado positiva ou negativamente) ou um elétron (uma partícula que existe dentro dele) é acelerado até uma velocidade "alta" e colide com um "alvo", que pode ser um outro átomo, uma molécula, um objeto sólido, a superfície de um líquido, etc.

Além de explicar essas propriedades, os aceleradores são usados para fabricar equipamentos baseados nelas. Por exemplo, os aparelhos eletrônicos funcionam baseados em componentes (os circuitos integrados ou "chips", que podem conter o equivalente a dezenas de milhões de transistores) fabricados por implantação de átomos de velocidade alta (obtida usando aceleradores de ions) em cristais de silício. Alguns destes aparelhos, como microcomputadores ou simples televisões, são eles próprios aceleradores, acelerando elétrons até velocidades de 30% da velocidade da luz.

Até 1750, por exemplo, apenas 17 do atuais 105 elementos eram conhecidos e nem era sabido que todas as substâncias eram formadas por combinações desses cento e pouco elementos. Na segunda metade do século XVIII uma sucessão de grandes químicos, como Lavoisier (1743-1794, quando foi morto pelo governo revolucionário da França) e Proust (1754-1826), não apenas mais do que dobraram o número de elementos conhecidos (passou para 40) como também verificaram a existência de relações definidas entre as massas das substâncias envolvidas numa reação química. No início do século XIX Dalton (1766-1844) propôs a Teoria Atômica e Berzelius (1779-1848) a maneira como se denotam os elementos. Além desses cientistas numerosos outros descobriam novos elementos, sintetizavam novas substâncias e descobriam a "composição química" de muitas outras, algumas conhecidas desde a Antiguidade, como o sal de cozinha, a alumina e a soda. Mas se desconhecia o que eram os átomos.

Para estudar os átomos, os núcleos dos átomos e as partículas dentro desses núcleos temos que fazer colisões com velocidades crescentes. Em alguns casos a Natureza já nos fornece átomos (ou ions, que são átomos sem alguns elétrons) com velocidades altas. Exemplos disto são os átomos cujos núcleos emitem espontaneamente partículas alfa (estas são formadas por 2 protons e 2 neutrons, tendo carga elétrica positiva +2e e energias cinéticas da ordem de alguns MeV), sendo uma espécie de "acelerador" que não precisa ser ligado na tomada.... Em 1911 dois físicos, Geiger e Marsden, fizeram a experiencia que levou outro físico, Rutherford, a propor no mesmo ano o atual modelo do átomo (e a tornar-se instantaneamente um químico, ganhando o premio Nobel de Química). Nela um emissor de "alfas" foi colocado perto de uma folha metálica fina e, medindo as partículas alfa após a interaçã com a folha verificou-se que embora a maioria sofresse uma deflexão pequena algumas poucas eram fortemente "espalhadas" para trás. Rutherford interpretou este fato como a existência de um núcleo pequeno e positivo em torno do qual orbitavam elétrons. Havia no entanto numerosos problemas para compatibilizar as teorias da Física vigente com esse modelo, o que deu um grande impulso à busca de uma nova mecânica, a Quântica, o que demorou cerca de duas décadas.

Outro tipo de partícula rápida que a Natureza nos dá é o raio cósmico, onde partículas atingem a Terra, eventualmente com energias muito superiores à dos aceleradores de maior porte atuais. Uma parte da compreensão atual sobre as partículas usou resultados de medição desses raios cósmicos, como as medidas feitas pelo físico brasileiro Lattes na Bolívia na década de 50.úíúíéé

A Química hoje seria provavelmente descrita como a ciência que estuda os átomos e as moléculas: como reagem uns com os outros, como emitem ou absorvem luz, como se ionizam, perdendo ou ganhando elétrons, etc. Uma "reação química", por exemplo a de combustão quando uma molécula de açúcar e uma de oxigênio reagem dentro de um ser vivo fornecendo energia, é uma "colisão", mesmo que nesse caso as velocidades sejam baixas. Do ponto de vista aplicado diversas técnicas (como o PIXE, o RBS e o Auger) se baseiam na emissão de elétrons ou de raios-X por átomos que foram alvejados por elétrons ou por ions de alta velocidade, obtidos em aceleradores.

Grande parte das informações que temos sobre os átomos e sobre as moléculas vem dessas colisões, feitas de forma controlada. Podemos ter um feixe de luz monocromática atravessando um meio e considerar que as partículas de luz (fótons) colidem com um "alvo" de átomos ou moléculas. Podemos ter uma experiência bem similar, onde ao invés de luz temos feixes de elétrons ou de ions, cada feixe sendo composto por partículas com a mesma energia cinética.

Aceleradores são tambem fundamentais em aplicacões . Os microcircuitos de um computador são fabricados acelerando ions a dezenas de milhares de eV e jogando-os contra uma pastilha de silicio. Estes aceleradores são chamados implantadores e sem eles nao haveria nem a elétronica moderna nem os computadores. Outras aplicacoes existem na Medicina, onde frequentemente aceleradores de elétrons com 20 milhões de eV são usados para irradiar pacientes com cancer (os elétrons destroem o tecido canceroso). Na medicina também são usados para fazer a produção de substâncias radioativas, as quais podem ser usadas para tratar o cancer. Um tubo de raios-X, equipamento usado rotineiramente no diagnóstico mé:dico desde meados deste século XX, é um acelerador de elétrons, que atingem algumas dezenas ou centenas de milhares de eV e incidem sobre uma folha metálica, cujos átomos emitem raios-X.

Mas, como se acelera um elétron, ou um íon ou um átomo? Essencialmente são forcas elétricas que fazem isso, ou diretamente (como no tubo de TV ou no de raios-X) ou indiretamente, quando campos magnéticos variaveis no tempo produzem forcas elétricas (os aceleradores acima de alguns milhoes de eV em geral são desse tipo).

Entre os diferentes tipos de aceleradores temos:

-os "tandems", onde ions negativos são acelerados por um potencial elétrico positivo até um alvo gasoso ou sólido onde perdem elétrons, virando ions positivos e sendo acelerados novamente ( Nosso acelerador na UFRJ é desse tipo, se tivermos por exemplo um feixe de H- e um potencial de 1,7 MV vamos obter um feixe de H+ com 3,4 MeV. No Brasil há outros similares na UFRGS e na USP);

- os Van de Graaff, onde uma esfera é carregada eletricamente até alguns MV e dentro dela se coloca uma fonte de ions, os quais são acelerados (No Brasil há um na PUC/RJ.);

-os lineares, onde um campo magnético variável induz um campo elétrico variável na direção do tubo do acelerador, com o campo eletrico &sendo oscilante, mas com o feixe sendo pulsado, para só percorrer o tubo quando o campo aponta no sentido desejado (No Brasil há aceleradores deste tipo no CBPF, na USP e em muitos hospitais.);

- o ciclotron, onde o íon descreve semicirculos sob a ação de campo magnético, entre esses semicirculos é acelerado por um campo elétrico e, como passa diversas vezes nesse mesma região, um potencial elétrico pequeno resulta numa grande energia final (No Brasil temos aceleradores destes no IEN e no IPEN, respectivamente nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo.) e

-os eletrostáticos de baixa voltagem (até algumas centenas de keV) onde um elétron ou um íon é acelerado por um gerador externo (No Brasil são empregados para acelerar elétrons, sendo encontrados na UFRJ e na UFSCar. Além desses aceleradores, obviamente temos todos os tubos de raios-x, todos os aparelhos de TV e todos os monitores de vídeo de computadores, formalmente aceleradores mas que são empregados para finalidades outras que não a pesquisa...)

Temos também o sincrotron de radiação onde elétrons são acelerados a energias da ordem de GeV e, como percorrem trajetórias curvas, emitem fortemente luz polarizada, monocromática e de alta frequência. Estes aceleradores no entanto não são usados para colidir as partículas aceleradas com um "alvo" mas sim para fazer interagir essa "luz sincrotron" com alvos. (No Brasil temos o Laboratório Nacional dfe Luz Sincrotron, em Campinas.).

Referências:

1) o site coimbra.lip.pt e os consecutivos (aparece uma seta para direita ao fim do texto).

2) o site da Altavista Altavista(ou qualquer outro da compilação de de sites de busca ufrj.br )

usando as palavras "acelerador de partículas" ou "particle accelerator".

Vão aparecer muitos "sites", a maioria descartável após uma olhada rápida, mas alguns interessantes.

3) Se tiver acesso a livros de Física Nuclear, eles tem uma seção em que discute aceleradores.

Estou planejando colocar diversos textos didáticos na nossa página. Qualquer comentário, pergunta ou sugestão, sobre este texto ou sobre algum assunto correlato que desejaria ver discutido, favor entrar em contato comigo: L.F.S. Coelho

Texto sobre Átomos e Tabela Periódica

Minha página pessoal

21/07/2000

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