Insônia : a briga entre o dia e a noite

O sono interrompido pode ter conseqüências bem mais graves do que se imagina. Aos poucos, ele acaba com a sua qualidade de vida

Fonte - Galileu

Para muitas pessoas, a hora de dormir é o momento mais aguardado do dia. É a hora do necessário descanso, após o cotidiano corrido dos que vivem nas grandes cidades. Mas, para quase 63 milhões de brasileiros, o anoitecer é um dos momentos mais difíc eis do dia. Eles sabem o que os aguarda: uma outra noite se revirando na cama. E contar carneirinhos já não ajuda mais.

A insônia é mais comum do que se imagina. Quatro em cada dez pessoas não dormem bem. Ou conseguem dormir, mas acordam no meio da noite, e amargam, insones, cada minuto, até o despertador tocar. Os que já passaram por isso sabem o pesadelo que é o dia se guinte, após uma noite maldormida. O insone se sente mal humorado, irritado e desmotivado. Esse quadro pode ser passageiro. Pode ser que, na noite seguinte, o sono seja melhor e se recupere o atraso dos dias anteriores. Ou não: a insônia de uma noite pode se repetir na próxima, e assim por diante.

Estudos internacionais mostram que ficar 24 horas sem dormir afeta o desempenho mental. Outras pesquisas revelam ainda que a falta de sono prejudica a memória. Todos esses efeitos são somados à inevitável sonolência posterior a uma noite maldormida. O distúrbio afeta o trabalho, deixando o insone mais preocupado e estressado. O resultado é um ciclo vicioso de insônia e stress, que, para ser quebrado, exige muita força de vontade e, em algumas vezes, a ajuda de especialistas.

O cérebro recebe estímulos durante o dia, mas não os elimina à noite. As preocupações diárias continuam na mente, mesmo na hora de dormir. O stress e a preocupação são os maiores inimigos. "A sobrecarga no trabalho ou na escola afeta o sono", explica Ademir Baptista Silva, neurologista da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Mas essa não é uma regra válida para todos. A reação ao stress depende muito da pessoa. Certos traços de personalidade predispõem à insônia. É o caso da insegurança. "A pessoa fica acordada à noite, antecipando os desafios do dia seguinte e imaginando se será capaz de superá-los", diz Silva. Outro traço que facilita a insônia é o ficar remoendo os últimos acontecimentos, sem discuti-los com os outros e exteriorizá-los . Certas profissões também são caracterizadas por uma prevalência de insones. É o caso de médicos, jornalistas e corretores de bolsas de valores. São profissionais do stress, com demandas diárias que podem afetar o sono.

Como resultado das noites maldormidas, a pessoa começa a se irritar no trabalho, perdendo a paciência facilmente e sentindo uma dificuldade maior em completar suas tarefas. Isso a deixa cada vez mais preocupada e estressada, o que acaba sendo descontad o no sono. Se esse quadro parece familiar, então você tem um distúrbio do sono. O que assusta é que pouquíssimas pessoas sabem que esse é um problema tratável. Segundo Silva, apenas 3% das pessoas que têm insônia identificaram o problema. Para muitos, não dormir bem faz parte da vida corrida de uma metrópole. É o preço que se paga por trabalhar demais. "Uma pessoa pode passar toda a sua vida sem nunca quebrar esse ciclo", diz Flávio Alóe, do Centro de Sono do Hospital das Clínicas, em São Paulo.

Sem diagnóstico
Exemplo disso é o caso de Angela Maria Bischoff, de 53 anos. Ela começou a ter insônia aos 25. "Eu ficava várias noites sem dormir", conta. Como isso não era constante, ela nunca procurou um médico especializado em distúrbios do sono. 
Mas costumava se c onsultar com o ginecologista, que lhe receitava remédios tranqüilizantes. "Cheguei a tomar remédios para dormir, mas eles só resolviam o problema imediato. Nunca soube a causa da minha insônia", reclama. "Dormia mal e, na manhã seguinte, estava indis posta. O dia não rendia." Para Angela, a insônia não está relacionada à idade. "É um problema que tenho desde sempre e nunca tratei."Estudos recentes, realizados por dois centros de pesquisa dos Estados Unidos, indicam que a qualidade do sono começa a deteriorar nos anos em que a pessoa é mais produtiva, muito antes do que se pensava. 

Vigília (acordado) Centro localizado no hipotálamo regula o relógio natural do corpo, chamado de ciclo circadiano, responsável pela alternância entre o sono e a vigília Sono não-REM (fases 3 e 4) Um centro também localizado no hipotálamo é responsável pelo sono profundo. Essa fase é predominante na primeira metade da noite Sono REM
Essa fase do sono é controlada pela ponte do tronco encefálico. Ela é responsável por regular a passagem do sono REM para não-REM (fases 3 e 4). É durante o sono REM que a pessoa sonha
Até então, acreditava-se que apenas pessoas idosas tinham distúrbios de sono relacionados à idade.
Segundo as pesquisas, a qualidade do sono começa a ser afetada entre os 25 e os 45 anos. Com o avanço do tempo, as pessoas despertam cada vez mais cedo, dormem menos e acordam mais durante a noite. Todos esses fatores afetam o sono e a qualidade do d escanso. Mas há aqueles que dormem a noite toda e, mesmo assim, não se sentem descansados na manhã seguinte. Por outro lado, há quem durma menos de oito horas por noite - período recomendado pelos especialistas - e se sinta em perfeitas condições para enfrentar o dia.

Esse era o caso de Renato Jacob, 26. Ele sempre dormiu poucas horas por noite: no máximo seis. Isso nunca o incomodou. Mas no último ano, desde que assumiu o cargo de diretor para a América Latina de uma instituição financeira norte-americana, começou a ter insônia.

"A quantidade de sono não é fundamental. A qualidade é o que importa e há noites em que não durmo bem", afirma Renato, que tenta colocar o sono em dia nos finais de semana, mas sempre acaba acordando mais cedo e dormindo mal. Ele atribui o problema ao stress que passa diariamente. "É impossível deitar e não pensar no trabalho."

Acordar cansado
O problema de Renato e de outros insones ocorre devido à redução do tempo de sono REM (movimentos rápidos dos olhos, na sigla em inglês). É nessa fase que a mente descansa e que os sonhos ocorrem. É a etapa do sono mais profundo. Para chegar ao sono REM, a pessoa precisa passar antes por quatro outros estágios. Eles funcionam como degraus necessários para se descer ao sono REM. Os primeiros dois estágios são considerados fases superficiais de sono, dos quais uma pessoa acorda facilmente. Um adulto pas sa a maior parte da noite nesses estágios. Eles são necessários para atingir a próxima etapa. O sono profundo ocorre nas fases três e quatro. É quando ocorre uma redução do metabolismo e a pessoa efetivamente descansa.

Embora uma pessoa sem distúrbios de sono passe um quarto da noite na fase REM, esse período não ocorre seqüencialmente. Após entrar na fase profunda do sono, a pessoa tem o que é chamado de microdespertar. Ela não acorda, mas volta para a etapa inicial. Se uma pessoa acorda cansada, é sinal de que teve vários microdespertares, o que reduziu o tempo total de sono REM. Após o microdespertar, para chegar novamente à fase mais profunda, é preciso reiniciar o processo. Com um tempo limitado para dormir, uma pessoa pode estar quase chegando à fase REM e acordar com o despertador antes de conseguir descansar adequadamente. O cansaço, nesse caso, é inevitável.

A insônia ocorre quando há a união de três fatores. O primeiro é a predisposição, como os traços de personalidade ou o stress da profissão. Mas isso não basta. É preciso também um outro fator, o precipitante. Ele pode ser qualquer problema que cause ma is stress ou preocupação, como o vestibular ou uma apresentação importante no trabalho. Esse quadro pode levar a uma insônia esporádica. Se for resolvido o problema, o sono volta ao normal - exceto se houver também o terceiro fator, o perpetuante.

Afeta da pelas noites maldormidas, a pessoa começa a se preocupar de antemão sobre como será sua noite. Isso perpetua a ansiedade e torna o problema crônico. A privação de sono deixa o insone mais nervoso. Ele começa a adquirir hábitos que podem dificultar o sono, como consumir mais café ou começar a fumar. "Essa ansiedade dificulta o sono, a ponto de tornar o problema mais sério", diz Alóe.

A falta de sono afeta o reflexo e o tempo de reação da pessoa, deixando-a mais suscetível a sofrer acidentes de trânsito. Os insones têm também um risco maior de depressão ou ansiedade. Levantamentos estatísticos mostram ainda que quase metade das pe ssoas que sofrem de insônia crônica acaba recorrendo ao uso abusivo de álcool e drogas.

Soneca tem hora
Os tratamentos atuais não medicamentosos para a insônia são eficientes em 85% dos casos. Eles variam desde a restrição do sono - reduzir o tempo que a pessoa pode dormir - até exercícios de relaxamento e meditação, como a ioga. 

Dicas para dormir melhor

  • Evite produtos com cafeína (coca-cola, chá e café) de quatro a seis horas antes de dormir.
  • Reduza o seu uso diário Evite nicotina, principalmente antes de dormir. Não consuma álcool à noite
  • Afaste o despertador da cama se o tique-taque incomoda
  • Acorde sempre no mesmo horário
  • Praticar exercícios à tarde ajuda o sono. Mas evite ginástica três ou quatro horas antes de dormir
  • Durma em um local silencioso, com pouca luz e temperatura ambiente
  • Não faça refeições pesadas pouco antes de dormir. Um lanche leve pode ajudar o sono
  • Um banho quente antes de dormir cai bem
Seguir algumas dicas para melhorar o sono também pode ajudar, como dormir no mesmo horário e evitar fazer ginástica antes de dormir. Os médicos recomendam também que o insone evite dormir entre as 17 horas e 21 horas. A soneca da tarde pode tirar o sono da noite. Isso ocorre por causa de um hormônio chamado melatonina. Uma das funções desse hormônio é estimular o sono. Se a pessoa dorme antes do horário habitual, a melatonina será liberada antecipadamente, reduzindo a quantidade que deveria ser produzida à noite.

A melatonina é inibida pela luz. Para evitar a sonolência durante o dia após uma noite maldormida, recomenda-se trabalhar ou estudar em um ambiente bem iluminado. Caso contrário, a melatonina será liberada e a pessoa terá sono na hora errada.

Outra indicação para melhorar o sono é evitar dormir próximo ou em locais barulhentos. Segundo o especialista Fernando Pimentel Souza, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), o barulho não deixa a pessoa chegar ao sono profundo. "Até mesmo o so m mais leve já pode fazer a pessoa sair do sono REM. Com o barulho, dificilmente ela chegará novamente a essa fase. O resultado é um sono fragmentado, sem qualidade", relata.

Medicamentos
Nos casos que não se resolvem com medidas preventivas, medicamentos são recomendados. Embora eficientes em casos esporádicos, a maior parte dos produtos, chamados ansiolíticos, não deve ser usada durante um período maior do que 30 dias. "Quase todos o s remédios causam dependência", alerta Stella Tavares, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. O mais novo medicamento a integrar o arsenal contra a insônia é o zaleplom. A vantagem desse produto é que ele não afeta o desempenho motor do paciente n a manhã após a ingestão. Muitos ansiolíticos deixam a pessoa letárgica no dia seguinte. Os medicamentos não fazem milagres. Eles apenas ajudam no combate ao problema imediato. O tratamento contra insônia precisa ser avaliado pelo médico para que a verdadeira causa seja encontrada. Recomenda-se uma combinação de remédio e psicoterapia, na maior parte dos casos de insônia crônica. Segundo Stella, grande parte dos insones estão fadados a passar noites em claro em decorrência de problemas emocionais. Mas poucos procuram um médico para descobrir a real causa do problema.

Dados da Fundação Nacional de Sono dos Estados Unidos indicam que apenas 5% das pessoas procuram o especialista para tratar a insônia. Enquanto 26% dos insones são tratados por médicos como clínicos gerais e ginecologistas, a maioria nunca procurou aju da. "É preciso identificar a causa do problema", diz Alóe. "Tratar a insônia é o primeiro passo para melhorar a qualidade de vida."
Noite ruim
As principais queixas do sono nos EUA 39% das pessoas se movimentam bruscamente enquanto dormem
  • 72% não dormem bem
  • 44% acordam mais cedo do que o normal (geralmente essas pessoas sofrem de depressão ou ansiedade)
  • 57% acordam de madrugada e depois não conseguem mais dormir
  • 67% acordam de madrugada, mas voltam a dormir sem problemas
  • 40% roncam
  • 56% têm dificuldade de pegar no sono na hora de se deitar
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