O dilema dos Alimentos Transgênicos

Panacéia universal ou Caixa de Pandora ?

Transgênico. E você vai se perguntar se essa palavrinha tão imponente é o nome de um novo veneno, de uma nave espacial que viajará a Marte ou de uma nova teoria social pós-moderna. Também poderia imaginar filmes como "Matrix", com sua super fotografia em câmera lenta que cairia bem tendo um nome assim: t-r-a-n-s-g-ê-n-i-c-o. Mas não. Os transgênicos são outra coisa; pode-se dizer que é um novo "estranho no ninho" que, para os propulsores da biotecnologia, é a panacéia que solucionará a fome mundial e, para os ecologistas, um dos demônios soltos do livro "O Exorcista."

No século XXI não é preciso ferramentas visíveis: basta manejar o ácido desoxirribonucléico, a essência da vida, para modificar a humanidade. Os transgênicos não são mais que os frutos da manipulação genética; são plantas às quais agregou-se gene alheio (como os que conferem a resistência às pragas ou às secas e a novos nutrientes), ou das quais foram retiradas substâncias tóxicas que causam alergias. Esta é a promessa básica de seus defensores.
Os detratores dos Organismos Manipulados Geneticamente (OMG, como são mundialmente conhecidos) usam os mesmos argumentos, mas ao inverso: acusam estes alimentos "trabalhados" através da engenharia genética de serem nocivos para seres humanos e animais, de alterar o meio ambiente, de afetar o equilíbrio entre espécies, de provocar novas reações alérgicas e de contribuir à morte dos antibióticos.

Na Venezuela, por exemplo, 60 plantações de mamão transgênica no povoado de San Juan de Lagunillas vêm levantando poeira. O projeto conta com o aval do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Tecnológicas e da Universidade dos Andes. Mas grupos de ecologistas como a Rede de Ação em Alternativas ao Uso de Agrotóxicos na Venezuela e a Frente Ambiental Andino denunciam que a comunidade não foi consultada, que os cultivos artesanais estão sendo expostos à contaminação genética do pólen alterado e que, embora ninguém tenha ainda morrido em razão de ingestão destas frutas, seus efeitos em longo prazo são desconhecidos. O Movimento Iniciativa dos Consumidores alertou sobre a presença de OMG nos supermercados do país, camuflados em batatas congeladas ou óleos destinados à fabricação de sorvetes.
Protestos similares vêm sendo gerados na Espanha, onde várias empresas de biotecnologia foram acusadas de utilizar bebês como cobaias (uma das bandeiras vermelha dos "transgenizados" é as papinhas infantis).
Em outro caso, o milho Bt176, patenteado pela Novartis e destacado pela organização espanhola Amigos da Terra, foi enviado ao banco dos réus.Só em território espanhol, foram semeados de 12 a 20 mil hectares deste cereal com nome de robô.

Um relatório publicado em 1999 na revista Nature, por uma equipe de cientistas da Universidade de Cornell nos Estados Unidos, afirmou que, de acordo com os resultados de experiências, as larvas da borboleta monarca, que se nutriam com folhas que continham o pólen transgênico das plantações tratadas com a bactéria Bacillus thuringiensis, comiam menos, cresciam mais lentamente e sofriam uma mortalidade mais alta (50% morreram). E o pólen das cultivações manipuladas (como o da colza) pode se deslocar 5 quilômetros e contaminar outras plantações, conforme determinou uma pesquisa realizada pelo centro John Innes no Reino Unido.
Desta guerra não se salva a realeza. O príncipe Charles da Inglaterra anunciou, em 1998, que nem ele, nem seus filhos, nem seus convidados consumiriam transgênicos. Uma pesquisa publicada pelo diário espanhol El Mundo revelou que, nesse momento, 95% dos britânicos se opõem à presença de OMG nas prateleiras onde o público obtém seus alimentos diários. 

Entre os produtos, conforme uma lista detalhada publicada na Internet por grupos ambientalistas na Espanha, se encontram biscoitos "Nabisco" com amido de milho transgênico, papinhas "Nutriben" com milho e soja manipulados, e ração para animais de estimação "Friskies" (soja). Por enquanto, os líderes são a soja e o milho; esses, por sua vez, constituem o ponto de partida para a fabricação de farinhas, óleos e outros insumos da indústria.

A Monsanto, como multinacional implicada no assunto e a que tem mais espécies nos campos, argumenta sua defesa com um credo que reza que as 15 plantas comestíveis que constituem 90% do que se consome no mundo "foram modificadas extensamente e passaram por hibridações, cruzamentos e modificações ao longo dos milênios". Parte do manifesto da companhia é que a biotecnologia representa um futuro promissor para as pessoas que procuram qualidade e sabor; para os agricultores que requerem aumentar sua produtividade; e para aqueles que sonham com a erradicação da fome do mundo.

Mas basta escutar as razões do grupo em contrário para entender que o assunto não é tão simples quanto uma batalha puramente comercial. Lorna Haynes, docente da Universidade dos Andes na Venezuela, destaca que estas cultivações não rendem mais, nem são mais nutritivas. Segundo Jane Rissler, da Union of Concerned Scientists (União dos Cientistas Interessados), o rendimento das plantações transgênicas não é significativamente

 maior do que o das tradicionais, conforme indicamos dados das colheitas de 1997 e 1998 do Serviço de Pesquisa Econômica do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos: "Em algumas cultivações o uso de pesticidas é menor, mas em outras aumenta".

Os Efeitos A Longo Prazo

A Associação Médica Britânica, que representa a maioria dos 115.000 médicos ingleses, publicou um informe que insiste nas incertezas existentes sobre os efeitos a longo prazo que os transgênicos poderiam causar à saúde dos seres humanos e ao meio ambiente. A proposta inglesa é que se pesquise as possíveis alergias que estes produtos provocariam, e que se lembre que no emprego de genes que desenvolvem resistência a antibióticos para conseguir legumes mais fortes, esses genes poderiam propagar as bactérias que produzem enfermidades, o que inutilizaria boa parte do repertório de medicamentos antibactéricos. A batalha sobre os OMG, filosófica para uns, econômica para outros, apenas acaba de disparar seus primeiros tiros no mundo subdesenvolvido, mas já é um conflito de baixa (ou alta?) intensidade na Europa nos Estados Unidos.

Lista de compras

De acordo com Juan Izquierdo, representante da Oficina Regional de Produção Vegetal da FAO, oito países semearam, entre 1996 e 1998, 28 milhões de hectares de transgênicos.

Uma pesquisa da consultora Biomundi, difundida no foro virtual Percepção Pública da Biotecnologia coordenado pelo Instituto Venezuelano de Pesquisas Científicas, revelou que o milho (26,7%) lidera este mercado peculiar, seguido de um certo tipo de couve (colza, com 13,3%), algodão (13,3%), abóbora (11,1%), tomate (6,7%) e soja (6,7%). A lista se completa com a batata (4,4%), beterraba (4,4%), tabaco (4,4%), chicória (2,2%), cravo (2,2%), linho (2,2%) e mamão (2,2%).

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