Guerra verde

A bilionária indústria de remédios, que busca insumos na Amazônia, está na mira do governo. Em jogo, US$ 50 bi.

As expedições que adentram a floresta amazônica na virada do século vão em busca de riquezas bem distintas das do passado. As jóias disputadas pelos exploradores atuais em nada lembram o ouro e as pedras preciosas. Elas têm vida, crescem e se reproduzem. São bactérias, fungos, plantas e árvores, matérias-primas da chamada bioprospecção – a etapa inicial da bilionária cadeia da indústria farmacêutica e de cosméticos. Os cinco milhões de quilômetros quadrados da maior floresta do mundo contêm 15 milhões de tipos de insetos, 564 espécies de mamíferos e 22% das plantas conhecidas mundialmente. E é exatamente nestas estatísticas que pode estar a chave para a cura de diversas doenças, como o câncer. A coleta na natureza é a base de um mercado que deve movimentar, nos próximos dez anos, de US$ 30 bilhões a US$ 50 bilhões, de acordo com cálculos do Greenpeace. O professor Spartaco Astolfi Filho, da Universidade do Amazonas, reforça os números: "Somente um fungo usado na fabricação de um vermicida famoso gerou para o laboratório US$ 1 bilhão em vendas anuais".

Quanto disso vai ficar no País? Ninguém sabe. Talvez 60%, se as regras forem favoráveis. A estimativa é da Extracta, empresa de pesquisas biotecnológicas. Ainda não há lei específica sobre a exploração do patrimônio genético da Amazônia. O governo, que passou os últimos anos vendo de binóculos a movimentação comercial na floresta, agora tem pressa em resolver a questão. Já está na ante-sala do presidente Fernando Henrique Cardoso – mais precisamente na Casa Civil – os primeiros esboços da regulamentação da atividade. Não era sem tempo. A corrida desenfreada à cata dos espécimes lembra, e muito, os desastres da colonização. O tiro de largada já foi dado nos grandes laboratórios do País e do mundo. Para obter microorganismos da região, o suíço Novartis desembolsou US$ 4 milhões, o britânico Glaxo Wellcome, US$ 3,2 milhões, e o Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos, US$ 1 milhão. Cada um à sua maneira. O contrato da Novartis com a Bioamazônia, uma organização social, por exemplo, virou escândalo e está sendo revisto. Com escritório em São Paulo, a Bioamazônia acabou comprometendo-se com a Novartis a coletar 10 mil microorganismos diferentes e enviar cepas para o Exterior.

Para se ter uma idéia da riqueza da região, o laboratório só precisaria recolher meio quilo de terra em cada um dos 50 pontos escolhidos na floresta para chegar à quantidade de microorganismos desejada. Em outras palavras, estaria gastando os tais US$ 4 milhões em 25 quilos de terra. "O contrato entre a Bioamazônia e a Novartis parece o antigo acordo do governo da Costa Rica com o laboratório Merck, quando toda a biodiversidade do país foi vendida por apenas US$ 1 milhão", ataca Antonio Paes de Carvalho, presidente da Extracta e da Associação Brasileira das Empresas de Biotecnologia. Apesar das farpas de Carvalho, a sua Extracta também mantém um polpudo acordo com a Glaxo.

"O País está recebendo migalhas em relação aos lucros dos negócios do setor", diz a senadora Marina Silva, do PT, do Acre. Vale lembrar que o faturamento anual dos grandes laboratórios está acima dos US$ 20 bilhões. O Novartis investe por ano em pesquisas US$ 1,5 bilhão. "Não pode haver contrato com a biopirataria", conclui Marina. Ela foi autora, em 1995, de projeto sobre o uso dos recursos genéticos da Amazônia. O projeto está parado na Câmara. O próprio governo, que faz parte da Bioamazônia, foi surpreendido pelo negócio com os suíços. O ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, esteve no Congresso na quarta-feira, 9, para garantir que o contrato será "revisto".

O governo editou às pressas Medida Provisória, em junho, para tentar pôr ordem na casa. "Estamos falando de uma economia que poderá movimentar dezenas de bilhões de dólares e o Brasil poderá ganhar muito dinheiro se deixar de ser meramente um exportador de matéria-prima", diz Braúlio Dias, diretor de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente. Não é um desafio pequeno. Não há hoje no governo informações centralizadas sobre os exploradores da Amazônia. "A biopirataria está correndo solta", admite Dias. Um conselho interministerial vai 

ficar encarregado de conceder as autorizações para expedições à floresta. "Queremos estabelecer regras do jogo justas para o Brasil. Quem ficar na ilegalidade vai estar sujeito a multa e cadeia." O País ainda não tem claras, porém, as regras de como garantir o direito de beneficiar-se, em futuras patentes de remédios, como dono da fonte.

Ao contrário das pesquisas e prospecções de petróleo, a dos recursos genéticos não é paga, nem licitada. Os laboratórios multinacionias bancam apenas os custos pelo trabalho na região, algumas análises e doações. "Com regras, será possível reter até 60% de toda a movimentação financeira gerada no processo, mas se não soubermos conduzir isso poderemos ficar com apenas 0,5%", acredita Carvalho, da Extracta. No caso de sua empresa com a Glaxo, estão previstos pagamento de royalties e de serviços. Caso consiga encontrar algum composto para um novo medicamento, a Glaxo pagará à Extracta 3% de comissão sobre as vendas, por um período de 20 anos, durante os quais o laboratório terá exclusividade de comercialização. "Este é um projeto muito importante para a Glaxo. É o primeiro na América Latina", conta Paulo Braga, diretor da filial brasileira.

A principal polêmica com a Bioamazônia é a possibilidade de exportação de cepas. A organização brasileira vai remeter, inicialmente por e-mail, informações sobre os microorganismos colhidos. O laboratório suíço, depois de um exame, vai encomendar aqueles que desejar. "O preço da cepa pode não ser o melhor para o País, mas é o de mercado", alega o diretor da Bioamazônia, Manoel Artigas Schirmer, que estabeleceu uma média de 100 francos suíços por cepa. No Congresso, jamais ouviu-se falar desta tabela. O presidente da Novartis, Otto Kneübuhler, evita dar entrevista. A MP do governo, feita para tapar um buraco, estabelece que a transferência de amostras para o Exterior exigirá prévia autorização. Diz que a União é proprietária do patrimônio genético existente em suas terras.

Colaboração:  Edgar Roberto L. Pereira - Curitiba - PR

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