Projeto Athena obtém antimatéria para testar fundamentos da física 

Fonte - ComCiência

Cientistas do Experimento Athena, uma colaboração internacional entre seis países, incluindo o Brasil, conseguiram obter cerca de 50 mil átomos de antimatéria nos laboratórios do Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (CERN). É o primeiro passo para um propósito mais ambicioso: testar com precisão recorde um dos princípios mais básicos da física de partículas, o "teorema CPT". Uma violação desse teorema levaria a uma revisão ampla da física.

Os "anti-átomos" obtidos pelo grupo são de hidrogênio, e sua quantidade foi estimada indiretamente. O resultado da pesquisa foi publicado com a assinatura de 39 pesquisadores no site da revista Nature, no dia 18, na seção Publicação avançada online. É uma seção onde aparecem trabalhos com mais impacto, antes de serem publicados na versão impressa.

O detector de anti-hidrogênio.
Fonte: Site do Athena

O teorema CPT diz que as leis da física não variam quando aplicamos conjuntamente as três operações seguintes: trocar o sinal das cargas elétricas de todas as partículas (conjugação da carga, C), fazer três reflexões em três espelhos perpendiculares (paridade, P) e inverter o sentido de todos os movimentos (inversão temporal, T).

Ele pode ser demonstrado a partir de princípios fundamentais da física de partículas. Porém, mesmo os mais sólidos resultados teóricos devem ser testados em laboratório para serem confirmados, e o teorema CPT deve ser testado com maior precisão, dada sua importância. Descobertas inesperadas de violações de simetrias relacionadas, nos anos 50 e 60, reforçaram a hipótese de que o teorema CPT pode também não ser universalmente válido.

Ao contrário dessas outras simetrias, cuja violação pôde ser absorvida pela teoria com pequenas adaptações, uma violação desse teorema tornaria necessária uma mudança muito mais profunda. Segundo Cláudio Lenz César, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenador de um dos 10 grupos que constituem o Athena, isso levaria a "uma revisão muito básica e geral da Física. Isso não quer dizer", adverte, "que o avião vai parar de voar, que o celular vai parar de funcionar". Mas ele lembra o caso da mecânica quântica, que, apesar de ser também constituída de princípios bastante abstratos, levou à invenção do laser, do transistor e da ressonância magnética nuclear, que revolucionaram a tecnologia moderna.

O projeto Athena pretende realizar o teste mais preciso feito até hoje para o teorema CPT. O primeiro passo era obter um certo número de átomos de antimatéria - e esse acabou de ser realizado. 

O laboratório usado pelo Athena.
Ao fundo, à esquerda, o experimento Atrap.
Fonte: Site do Athena.

A diferença entre a antimatéria e a matéria ordinária é que, na primeira, os sinais das cargas elétricas das partículas são trocados: por exemplo, como os prótons têm carga positiva e os elétrons negativa, um antipróton tem carga negativa e um antielétron (chamado "pósitron"), positiva. Um antiátomo de hidrogênio é constituído por um antielétron movendo-se ao redor de um antipróton.

Testando o teorema CPT
O próximo passo é determinar se esses antiátomos comportam-se exatamente como os átomos de matéria, como prevê a teoria. Um dos testes mais precisos para isso envolve a absorção de radiação pelos átomos após serem atingidos por raios lasers cuidadosamente preparados. Trata-se, na verdade, de um procedimento padrão para se determinar o espectro de um átomo (conjunto das energias que os seus elétrons podem ter). O Athena deseja determinar o espectro dos anti-átomos e verificar se são iguais ao dos átomos normais. Essa comparação permitirá testar a validade do teorema CPT.

Para que essas medidas possam ser feitas, foi necessário desacelerar os antiprótons antes de eles formarem os anti-átomos, usando o Desacelerador de Antiprótons (ou AD, o primeiro desacelerador de partículas), instalado no CERN. Caso contrário, eles se aniquilariam nas paredes do aparato experimental quase instantaneamente, e as medidas não poderiam ser feitas (a matéria e a antimatéria, quando entram em contato, "aniquilam-se", ou seja, desaparecem e cedem lugar a fótons de radiação gama e/ou outras partículas e anti-partículas de menor massa). Os átomos obtidos pelo Athena sobrevivem cerca de um milisegundo antes de serem aniquilados, o que é suficiente para as medidas. Essa foi a grande novidade do resultado do Athena, pois anti-átomos de hidrogênio já haviam sido obtidos antes, mas com alta velocidade, e não foi possível analisá-los antes de desaparecerem.


Entretanto, para que esse segundo e decisivo passo - a medição do espectro - possa ser realizado, é ainda necessário determinar as propriedades dos antiátomos obtidos, para se poder decidir como construir o laser. Segundo Lenz, é possível que no ano que vem o Athena já tenha o primeiro espectro. Com isso, terão medidas sobre a validade do teorema CPT com uma precisão de um em dez bilhões. "Essa medida", diz, "já seria importante e comparável às outras medidas com antimatéria feitas até hoje". "A primeira espectroscopia que esperamos fazer no ano que vem ou no outro não deverá violar a CPT", avalia. Porém, com o aperfeiçoamento das técnicas nos anos seguintes, essa precisão deverá ser elevada para até um em cem trilhões.

O Projeto Athena surgiu há seis anos e os experimentos começaram em 2000. Na época, já estava funcionando um outro experimento, o Atrap, liderado por Gerald Gabrielse, da Universidade de Harvard (EUA), que também procura por anti-átomos de hidrogênio. Os dois experimentos passaram então a competir. O Athena, entretanto, assumiu a liderança e consegue hoje produzir 2000 vezes mais pósitrons (necessários para obter o anti-hidrogênio) do que o Atrap. Além disso, ao contrário do Atrap, o Athena já foi concebido prevendo-se a inclusão de lasers num estágio posterior, o que facilitará a medida do espectro.

Antigravidade
Numa etapa posterior, pretende-se testar a hipótese de que a antimatéria reaja diferentemente da matéria com relação ao campo gravitacional da terra, por exemplo, repelindo ao invés de atraindo. A idéia de anti-gravidade tem tomado corpo nos últimos anos. Investigações a respeito já foram feitas com antimatéria, mas sempre com partículas carregadas. O campo elétrico dessas partículas é muito mais forte que o gravitacional e torna muito difícil discernir os efeitos deste último. Com seus antiátomos, o Athena poderá fazer testes com antimatéria neutra, sem o campo elétrico para atrapalhar, o que deverá produzir resultados mais promissores. Porém, isso exige muita precisão e será um projeto longo, de 10 ou 15 anos, segundo afirmou Lenz em palestra realizada na Unicamp, em agosto deste ano.