Forte, quente e... bom para a memória

Estudo sugere que cafeína pode reverter sintomas da doença de Parkinson

Fonte - Ciência Hoje

Alguns estudos já comprovaram uma correlação entre ingerir uma pequena dose diária de cafeína -- na forma de uma ou duas xícaras de café -- e uma menor incidência da doença de Parkinson. No início deste ano, pesquisadores do Departamento de Farmacologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) com a colaboração de cientistas do Departamento de Farmacologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) concluíram um estudo que sugere que essa substância -- presente no café, chocolate, chá e refrigerante --, também é capaz de reverter o prejuízo cognitivo causado pela doença, especialmente, a perda de memória.

 

A doença de Parkinson é um distúrbio neurológico que afeta 2% dos brasileiros acima de 60 anos -- existem 222 mil parkinsonianos no Brasil segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -- e ainda não tem cura. 

Os sintomas típicos são rigidez muscular, redução dos movimentos, tremores e prejuízo de alguns tipos de memória, como a chamada 'memória procedural' (para procedimentos motores) e a memória operacional. Suas causas são ainda desconhecidas.

Caracteriza-se pela degeneração progressiva de um grupo de neurônios produtores de dopamina, neurotransmissor que faz a comunicação entre as células nervosas. Com a morte desses neurônios -- que se localizam em uma região do tronco encefálico denominada 'substância negra compacta' (SNc) -- a concentração de dopamina diminui em outra área do cérebro chamada 'corpo estriado', responsável pelo controle dos movimentos. Como conseqüência, ocorre o descontrole da atividade motora do indivíduo.

A primeira etapa do estudo foi iniciada sob a coordenação de Reinaldo Takahashi (UFSC) e de Cláudio da Cunha (UFPR), sendo efetuada em aproximadamente dois anos no Laboratório de Fisiologia e Farmacologia da UFPR. A pesquisa se baseou na análise dos sinais da doença em ratos com lesão na SNc e em testes comportamentais com esses animais, cuja estrutura cerebral se assemelha à humana. Um grupo desses roedores teve a SNc propositadamente lesada pela substância tóxica MPTP (um derivado da meperidina), capaz de provocar alterações muito semelhantes às da doença de Parkinson.

O grupo de ratos lesados com MPTP foi colocado em um uma caixa automatizada, conhecida como 'caixa de esquiva'. Cinco segundos após o toque de uma campainha, eles recebiam um choque nas patas e, para fugir dessa sensação, deveriam ir para o outro lado da caixa. Foi verificado que os ratos que receberam a substância tóxica lembraram-se menos de esquivar-se do choque sinalizado pela campainha do que animais do grupo de controle, o que demonstrou que a memória deles havia sido afetada.

Em uma segunda etapa, com base em relatos de que o uso da cafeína mostrara-se eficaz no tratamento de disfunções motoras causadas pelo Parkinson, os pesquisadores tiveram a idéia de aplicá-la em diferentes doses em ratos lesados pelo MPTP. Observou-se que a cafeína foi capaz de diminuir os efeitos da substância tóxica, pois atua diretamente na região do corpo estriado, interagindo com os receptores de outro neurotransmissor importante para a atividade cerebral -- a adenosina. O bloqueio de receptores da adenosina pela cafeína, por mecanismos indiretos, produz efeitos semelhantes aos da dopamina.

Cérebro humano com a localização do mesencéfalo, onde estão os neurônios produtores de dopamina afetados pela doença de Parkinson

Primeiros testes com humanos

O grupo de pesquisa da UFSC e UFPR acaba de se associar a pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Universidade de São Paulo (USP) para estudar se o tratamento com cafeína pode melhorar o desempenho da memória e de tarefas rotineiras de pacientes com a doença de Parkinson, como se fez com ratos. 

Os primeiros testes com seres humanos serão feitos em pacientes do Hospital São Paulo e com voluntários da Associação Brasil-Parkinson, sob a supervisão dos especialistas no estudo de alterações cognitivas Orlando Bueno e Maria Gabriela Oliveira, da Unifesp, e Gilberto Xavier, da USP. O objetivo da pesquisa é testar o efeito da cafeína como coadjuvante a outras drogas convencionais como a L-DOPA (levodopa) no tratamento dos sintomas cognitivos do distúrbio.

Embora existam controvérsias quanto ao uso da cafeína -- que poderia causar dependência --, o pesquisador afirma que as contra-indicações para o uso da substância como coadjuvante a outros medicamentos são poucas. "Há anos ela é utilizada no tratamento da enxaqueca em combinação com drogas como a dipirona. Seus efeitos colaterais são relativamente amenos e seu potencial terapêutico é promissor", conclui Da Cunha.